sexta-feira, 29 de abril de 2011

"Deus te abençoe..."

O dia em que Dona Socorro recebeu uma mensagem de celular às 7h da manhã

Já era madrugada alta em João Pessoa quando eu desisti. Aqui na Paraíba, diz-se, é onde o sol nasce primeiro, e ele estava, pouco antes das 5h, prestes a surgir do lado de fora da janela do meu quarto. E eu não conseguia dormir. Tudo por conta da figura de uma senhora que, àquela hora, estaria, provavelmente, dormindo os últimos minutos do seu justo sono, antes de o seu despertador tocar e tirá-la da cama, jogando-a nos afazeres domésticos e no cuidar da casa e da família. Isso, a 600 quilômetros daqui, no interior do
Ceará. Pensar insistentemente na senhora Maria do Socorro Vieira do Carmo é o que me tira o sono agora.

Do alto dos seus quase 56 anos, a serem completados neste sábado, dia 30 de abril, Dona Socorro é uma típica dona de casa, boa esposa, mãe dedicada. Nascida em Barbalha, teve sua infância, adolescência e parte da vida adulta quase em total contraste com a que leva hoje, na mesma cidade. Não que nunca tenha saído de lá. Morou no Crato, cidade próxima, pela qual tem grande estima e onde pretende “morar os últimos dias de vida”, como costuma dizer. O contraste entre seu passado e seu presente se justifica pelo fato de que hoje ela vive uma situação financeiramente estável, com casa própria, carro na garagem. Isso ela sempre quis. Mas, antigamente, as coisas lhe eram bem mais difíceis. Com quase nenhum recurso financeiro, vivia numa casa simples, com móveis também simples. Concluiu apenas o ensino fundamental, mas recebeu uma educação irreparável dos seus pais, os bons Seu Vieira e Dona Valdelice, de quem sempre lembra com saudade e sobre quem, quando tem oportunidade, costuma falar aos filhos.

A dona de casa

Hoje, Dona Socorro é uma senhora bem casada, mãe de cinco filhos e avó de dois netos. As três filhas ainda moram com ela e o esposo. Os dois rapazes moram fora – um porque casou, outro por opção de estudo. Os netos são filhos do primeiro rapaz.

Se eu pudesse vê-la e ouvi-la agora, nessas primeiras horas do dia, algumas ações e falas estariam, com certeza, no repertório assistido. Com sua vestimenta modesta, que costuma chamar de “meu chambrão”, ela correria em deixar tudo nos conformes para que o dia das três filhas comece bem: a mais nova precisa ter o café da manhã pronto porque vai à faculdade, a do meio porque vai trabalhar, e a mais velha precisa tomar o remédio na hora certa. O marido trabalha fora, numa cidade próxima, e só está em casa nos finais de semana.

Dona Socorro também cuida em tratar dos seus bichos: gatos, cachorros, pássaros – já chegou a criar 18 gatos ao mesmo tempo; hoje, “apenas” 13. Ela trata de cuidar das suas plantas: pingos-de-ouro, samambaias, roseiras – seu jardim e varanda são repletos. Menos de uma hora depois de pôr-se de pé, já terá lavado a louça, limpado a mesa, varrido o chão. É asseada essa Dona Socorro. Ela ajeita tudo! É a administradora da casa, da família, das finanças.

Até que tudo fique pronto, e antes mesmo que as filhas acordem e levantem, é bem possível que ela passe pelo minutos cantarolando alguma música de Vicente Celestino, Nélson Gonçalves ou Adoniran Barbosa, intérpretes de quem tanto gosta. Ou, ainda, algumas das canções religiosas que Padre Léo cantava – ela tem uma adoração especial pela palavras do clérigo e, sempre que tem um tempinho, coloca um DVD ou um CD para acompanhar as pregações “desse santo”, como costuma se referir a ele.

É possível também que Dona Socorro, antes de as duas filhas mais novas saírem de casa, perca a paciência com algum mal-feito deixado do dia anterior e esbraveje contra alguém, mesmo que ainda estejam todos dormindo. Sim, porque esta senhora costuma perder a paciência facilmente. Ela praguejaria e, provavelmente, soltaria algum palavrão, dos mais pesados, tão corriqueiros no seu vocabulário. Ah, e, com certeza, antes de tudo pronto, já teria acendido e tragado um cigarro – talvez mais de um. Esse vício que carrega consigo desde a adolescência, há bem mais tempo do que eu tenho de vida, e que desagrada tanto cada um dos seus filhos.

Mas o fato é que as primeiras horas do dia de Dona Socorro sempre são dedicadas a isto: cuidar dos afazeres domésticos e deixar tudo nos conformes para que as filhas comecem bem o dia. E são seus filhos, como ela sempre faz questão de afirmar, “o maior bem nessa vida”.

A mãe

Dona Socorro tornou-se mãe cedo, aos 17 anos. Na ordem, teve uma menina, adotou um menino, teve outra menina, outro menino e, 11 anos depois deste, nasceu a caçula. Não a conheço desde que começou a ser mãe, mas a impressão que se tem é de que ela sempre o foi. O espírito materno que emana dela não se deixa passar despercebido.

Basta que se mencione, por exemplo, a saga de cuidados que dedica à filha mais velha, portadora de um distúrbio neurológico que requer toda a atenção e dedicação possíveis. Ou, então, o orgulho que demonstra pela filha do meio, sempre inflando o peito quando menciona seu nome. Cite-se também os momentos de apreensão vividos tão fortemente depois que a filha mais nova sofreu uma queda e precisou passar por uma série de exames.

Há, ainda, os filhos homens. Dona Socorro não se desprende do mais velho, uma espécie de ovelha negra da família, já casado, morando fora, e que nem dá tanta atenção à mãe. Às vezes, fica visível o desapontamento dela com isso. Há que se falar também de cada dia de inquietação que ela vive desde que o filho mais novo saiu de casa, foi para outro estado, cursar faculdade. Desde então, Dona Socorro não faz um refeição sequer sem pensar na possibilidade de o filho estar com fome naquele momento.

É essa mãe que todos que conhecem essa senhora sabem que existe. Claro, são ações e sentimentos que qualquer mãe que se preze manifestaria pelos filhos. Mas, quem conhece Dona Socorro de perto sabe que, nesse caso, tudo tem uma proporção maior. E eu a conheço de perto.

Bom, eu ainda falaria de como essa senhora é animada e diverte a todos quando senta com familiares e amigos para uma boa roda de conversa. Seria interessante, também, comentar sobre o zelo que ela tem com suas unhas, seu costume em usar “bóbis” nos cabelos e como, às vezes, ela é bem vaidosa, geralmente conseguindo parecer ter menos idade do que as suas mais de cinco décadas e meia denunciam. Valeria a pena citar o lado religioso dela, devota, à sua maneira, de Nossa Senhora e telespectadora assídua da Canção Nova. Eu continuaria a escrever sobre Dona Socorro, com prazer, por mais algum tempo, e, provavelmente, o farei em outras oportunidades. Mas acontece que já são quase 7h e eu preciso ir à faculdade. Nem vi o tempo passar enquanto escrevia estas linhas. Preciso tomar banho, preparar algo para comer e, mesmo depois de uma noite toda em claro, tenho que ir à aula. Mas, antes de desligar o computador, como faço diariamente, abro um site de onde posso enviar mensagens para celulares e digito o seguinte texto: “BENÇÃO, MAMÃE?!? Ta tudo bem por aqui, viu? Mas, essa noite, senti muita saudade da senhora”. E, segundos depois, a 600 quilômetros daqui, Dona Socorro deve estar recebendo, no seu celular, uma mensagem do seu filho mais novo, que foi estudar fora. E, como se realizasse uma prece, é bem possível que esteja murmurando agora: “Deus te abençoe, meu filho!”. E, talvez, depois de silenciar por uns instantes, como que para visualizar o meu rosto, deve repetir quase inaudivelmente: “Deus te abençoe...”.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Monólogos sem resposta #1

Quando, num relacionamento a dois, um passa pelo outro, dentro de casa, e as brincadeiras - com olhares ou gestos que seja - não existem mais, e um e outro agem, por segundos, como se não se conhecessem, é porque o romance chegou àquele momento a que alguns dizem que todos os relacionamentos chegam um dia? Momento em que o desgaste se sobressai, um acostuma-se com o outro o suficiente para não mais tratá-lo com o vigor e a empolgação do início, quando havia paixão? Ou será melhor acreditar que, na verdade, isso só revela que o relacionamento não vingou, não está mais dando certo, e continuar acreditando que amar vai além disso e que, algum dia, pode-se encontrar alguém com quem se viva, todos os dias, todos os instantes, como se se conhecessem, porque, de fato, se conhecem?

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O dia em que o FLAMENGO ganhou e um FLAMENGUISTA permaneceu triste

Quando o FLAMENGO vence, os povos cantam, a nação fica feliz, as pessoas trabalham mais e melhor, os namorados se abraçam com mais paixão, as crianças brincam mais felizes. A vitória do FLAMENGO é capaz de fazer emanar no ar um estado de espírito que contagia, mesmo aqueles que não se dizem flamengos, porque, afinal, a maior parte dos humanos está em paz, está em harmonia com o universo. A vitória do FLAMENGO e, mais que isso, uma goleada do FLAMENGO, e, mais ainda, uma classificação do FLAMENGO, tem o poder de alegrar a tristeza, sarar as dores, amenizar ou sanar qualquer mazela - social, espiritual, política. E não sou eu quem digo isso. Um sem-número de poetas, escritores e pessoas não-das-Letras já disse isso, algumas vezes, de algumas formas. E eu concordo. Mas, desta vez, tenho que acrescentar algo: nem sempre!

É que hoje o FLAMENGO foi bem FLAMENGO. Não o FLAMENGO máximo que muitos já viram, mas foi o suficiente. E este FLAMENGO suficiente venceu; mais que isso, goleou; mais que isso, se classificou. O modesto Horizonte, depois de mostrar, no Rio, que não seria a presa fácil que muitos supuseram, e conseguir arrancar um empate no Engenhão, conheceu seu verdadeiro lugar ao ser facilmente batido no jogo da volta, quando o FLAMENGO mostrou quem "manda" e quem "obedece".

E isso havia de deixar as pessoas mais felizes; sobretudo os FLAMENGUISTAS. Mas, havia um que não podia, não conseguia estar feliz. Jonas Beckhan, o mais cômico dos FLAMENGUISTAS que conheço, daqueles que, pela alegria que sempre demonstra, une as cores mais alegres que existem às apaixonantes PRETA e VERMELHA do MANTO, não pôde ficar feliz.

É claro que esse FLAMENGUISTA queria e aprovou o 3 a 0 sobre o Horizonte. Óbvio que ele, um dia, vai rever o gol de Willians e constatar o quanto foi bonito. Evidente que, ao final desta Copa do Brasil, se o MENGÃO fizer cumprir o destino e erguer a taça, Jonas Beckhan vai vibrar, comemorar e, talvez, já ser feliz. Mas, esta noite, não. Com este jogo, não.

Uma coisa é certa: há amores maiores e menores que o que se devota ao FLAMENGO, mas, com certeza, não há nada parecido. Acontece que dentro desta verdade está a de que há amores maiores. E como não ter amor pela pessoa que nos trouxe ao mundo para poder viver toda a alegria de ser FLAMENGO? Como não ser grato a quem cuidou da gente, nos deu de mamar, limpou nosso cocô, sarou nossas doenças e ainda aturou nossas alterações de humor em meio a tantas campanhas irregulares do nosso FLAMENGO? Não há como não dizer que o amor pela nossa mãe é anterior, independente e, assim, maior que o nosso amor RUBRO-NEGRO. E eram assim os amores de Jonas Beckhan pela mãe e pelo FLAMENGO: aquele maior que este.

O fato é que a mãe de Jonas Beckhan não estava bem. Aliás, ela estava mal. Internada. Na UTI. E Jonas Beckhan estava do lado, por perto, cuidando, rezando, participando. Não havia como, nestas condições, estar antenado num jogo de fim de noite, no Ceará, contra um time pequeno, jogo que só serviria para constatar o óbvio: a classificação flamenga. Ele estaria focado na saúde da mãe. Na vida da mãe, que se expirou ainda antes de o FLAMENGO entrar em campo. O que me leva a crer que, quando o FLAMENGO consumou o esperado e despachou o Horizonte, o FLAMENGUISTA Jonas Beckhan não pensava nem sentia nada além da dor de ter perdido a mãe.

É por isso que, mesmo acreditando no poder de fortalecimento dos povos, na propagação da felicidade extrema e na multiplicação da alegria por milhões, tudo acarretado pelas glórias do FLAMENGO, digo que nem sempre isso acontece. Porque nesta noite o FLAMENGO venceu de goleada e se classificou e, ainda assim, havia um FLAMENGUISTA que permaneceu triste. Triste porque, afinal, perdeu a materialização de um amor maior que o que sente pelo FLAMENGO. Sua mãe já não vai mais estar por perto como antes e isso ainda vai doer por uns tempos. Mas, um dia, Jonas Beckhan há de vibrar, hilariamente, com as conquitas do MENGÃO. E estará sorrindo de novo... Quem sabe, já na próxima erguida de taça.

sábado, 23 de abril de 2011

A menina que me apaixonou [ato terceiro]

Leia também:
ato primeiro; ato segundo;


Ainda hoje, quando fecho os olhos, posso rever a menina que me apaixonou, bonita, roupa azul, borboleta nas coxas, cabelos esvoaçados. E, se eu estiver num ambiente silencioso, posso ouvi-la gargalhar, tão benfazeja que me faz querer estar lá, de novo, naquela praia, naquele ano. Mas, não dá! Ainda assim, sem poder voltar, se eu fecho os olhos, se está silêncio, se relaxo, posso quase reviver aquilo, senti-la subir em minhas costas e brincar brincadeiras que se multiplicariam com o tempo e que passariam a ser a parte boa e bonita de uma vida que nunca é apenas boa e bonita. A menina que me apaixonou teve o dom de transformar a praia e o mar, a lua e o vento, em apenas detalhes de uma noite entre amigos, entre ondas. Noites que haveriam de se repetir, cada vez mais particulares...

domingo, 10 de abril de 2011

Só para nos desejar...

Que nossos dias não sejam repletos da mais pura alegria – talvez isso nos faça não entender como parte do resto do mundo pode viver tão tristemente... Mas que possamos nos alegrar de momentos em momentos, estando triste, às vezes, para que passemos a valorizar ainda mais os bons instantes, e buscarmos com mais garra a nossa felicidade e a dos outros.

Quando nos sentirmos demasiado auto-suficientes – pois é bem provável que isso aconteça – que consigamos perceber logo o quanto os outros podem ser o sustento das nossas vitórias e conquistas...
E nas vezes em que parecer que todos nos abandonaram – e isso vai acontecer – que nos lembremos que dentro de nós existe uma força descomunal que pode erguer-nos, mesmo que a queda pareça fatal.

Que, quando o sol brilhar na nossa vida, brilhe limpo, brilhe puro, que não queime nossa pele, que não embace nossa visão e que ilumine, radiante, todas as trilhas que nossos passos tenham que percorrer... E, à noite, quando a lua vier, que venha serena, inspiradora. Não tímida, não recatada, mas, ao contrário, que ela venha convidativa, receptiva e que mantenha o brilho dos nossos olhos.

Que ouçamos sempre boas músicas, assistamos a bons filmes e tenhamos sempre belas surpresas. Não as músicas das quais os outros gostam, mas as que nos agradam, que nos façam “viajar”, sorrir, as que nos encantam... Não os filmes mais premiados pela mídia, mas os romances que nos fazem acreditar nas coisas boas, as comédias que nos fazem rir muito, mesmo que nunca tenham sido premiadas e que todos achem uma porcaria... Quanto às surpresas, que elas sejam um pouco do que esperamos, mas que tenham sempre o toque mágico do inesperado...

Que não descuidemos nunca do alimento do nosso corpo. É necessário que tenhamos verduras, frutas e legumes sempre à mesa e, claro, eventualmente, um bife à milanesa, uma porção de batata frita com coca-cola e mais outras guloseimas que nos dão prazer...

Em tempo, que não descuidemos, ainda, do alimento do nosso espírito. Que deixemos sempre abertas as portas dos nossos corações. Não para que ELE entre, pois é no nosso coração que ELE sempre está. Mas, é preciso que O deixemos sair de vez em quando para olhar-nos bem nos olhos...

E tendo-nos desejado isto tudo, talvez haja ainda mais a nos desejar. E sei que há. Quem sabe um dia eu consiga dizer tudo...

Use o player abaixo para ouvir a música escolhida para "sintonizar-se" com o texto.