quarta-feira, 23 de junho de 2010

Do feminino e duas de suas facetas na obra "O Guarani"


Na obra O Guarani, são duas as personagens usadas por José de Alencar para representar o feminino: a loura Cecília e a morena Isabel. É por meio delas que Alencar, além de expor o universo feminino, faz uso de um signo que não apenas expressa diferenciação racial e social, mas, sobretudo, oposição e complemento na formação do mundo feminino, qual seja, a distinção entre loura e morena.

De um lado, Cecília, mulher doce e bonita, e que traz no semblante a promessa de se tornar boa esposa e mãe. Do outro, Isabel, de personalidade marcante e compleição austera, porém melancólica. Entra as duas, Álvaro, confuso, perdido e subjugado aos temores e incertezas provindos de sentimentos devotados a duas faces do mesmo mundo: o feminino.

Alencar, ao diferenciar as duas personagens em loura e morena, faz uso de um antagonismo que reforça e destaca a condição de rivalidade entre Cecília e Isabel, já que ambas disputam o amor de Álvaro. Esse artifício, ainda, se revela como característica e compositor do feminino na trama romanesca.

sábado, 19 de junho de 2010

"Se cuida, meu filho"

Raimundo Nonato do Carmo.Sobre o seu nascimento, só sei o quando e o onde: 20 de junho de 1949, em Aiuaba, no Ceará. Lá se vão 61 anos e eu pouco ou nada sei sobre o que aconteceu nas primeiras décadas de sua vida. Não sei em que colégios estudou, quantas namoradas teve, nem qual foi seu primeiro emprego. Na verdade, eu praticamente o conheci apenas no dia de sua morte: 7 de setembro de 1990. Eu era só uma criança, a dois dias de completar oito anos. Nessa época, o meu contato com Seu Raimundo se resumia a alguns encontros casuais nos fins de semana, onde quase sempre o via de olhos vidrados, roupas amassadas e andar cambaleante. Diziam que era por conta da cachaça, mas eu não entendia bem o que isso significava. Naquela idade, tudo o que eu entendia era que algumas pessoas eram boas e outras ruins.

Eu gostava muito de Seu Raimundo, mas havia algo nele que não era bom. Talvez fosse essa tal da cachaça. Mas, como eu ia dizendo, naquele final de inverno de 90, deu-se a morte desse Seu Raimundo de quem falo. Eu me lembro de estar brincando num gramado, em frente à minha casa, com dois amigos. Sobre os fatos da morte em si, não lembro muito bem. Tenho apenas alguns flashs de memória. O fato é que naquele dia, Seu Raimundo se foi.

Bom, como disse, eu o via apenas nos finais de semana, e isso era pouco. A vida seguiu aparentemente tranquila depois da morte de Seu Raimundo. Acho que nem me dava mais conta da ausência dele, até que um dia, semanas depois, tomei um grande susto. Eu vi Seu Raimundo de novo. Acho que minha cabeça de criança não soube assimilar aquilo direito. Eu não sabia se era um fantasma, uma alucinação minha. Tempos depois é que fui descobrir que DEUS, às vezes, prega as suas peças. Aos bons, ELE sempre dá uma segunda chance. E foi então que eu tive certeza de que Seu Raimundo era bom; porque DEUS fez renascer aquele homem que eu só via nos finais de semana. E ele, agora, já não andava mais cambaleante pelas ruas. Era um outro Seu Raimundo.

Eu continuava a vê-lo pouco, mas, desde que ele renasceu, começamos a nos conhecer melhor e a compartilhar mais a vida um com o outro. As poucas lembranças que eu talvez tivesse daquele antigo Seu Raimundo foram se dissipando aos poucos, dando lugar às novas descobertas que aconteceram a partir dali.

Como quem presencia certos milagres, passamos, minha família e eu, a ver Seu Raimundo sorrindo mais, trabalhando mais, convivendo mais em harmonia com os filhos e com a esposa. Lembro de sempre prestar atenção a cada vez que Seu Raimundo dizia algo. Era muito raro vê-lo falando. Era mais comum vê-lo calado, sempre ouvindo mais que falando. Parecia se justificar aí o quanto ele sempre foi mais sensato que os demais à sua volta.

Lembro de uma vez em que Seu Raimundo brigava com o filho mais velho por alguma traquinagem que o menino havia feito. A certa altura, Seu Raimundo parecia não sentir raiva, mas muita tristeza e decepção com o filho. Seu Raimundo, então, embargou a voz enquanto ainda tentava mostrar ao filho o jeito certo de tentar ser um homem de verdade. Foi a primeira vez que eu chorei por causa de Seu Raimundo. Eu não era o filho que estava apanhando, e nem tinha nada a ver com aquilo. Mas, foi naquele dia que eu decidi tentar ser um homem tão bom quanto Seu Raimundo. Foi ali que ele começou a ser o exemplo que eu tento seguir até hoje.

A isso seguiram-se uma série de situações em que tive o privilégio de poder contar como Seu Raimundo, fosse me dando um conselho, conversando, mostrando como se faz, ou simplesmente calando. Como uma vez em que perdi uma amiga e, depois que minha mãe e dois amigos me abraçaram e não conseguiram acabar com meu choro, abracei Seu Raimundo e ele apenas passou a mão nas minhas costas. Nessa hora, foi como se alguém tivesse me dado um bálsamo que aliviasse tudo. Mas, era simplesmente Seu Raimundo sendo quem ele passou a ser depois que ressuscitou.

Enfim, não dá para pensar nesse novo Seu Raimundo, hoje em dia, e não associá-lo às revistas de faroeste que costumava ler em tempos bem antigos, aos jogos de paciência, sozinho, na mesa da sala e, mais tarde, no computador. Impossível não pensar em Seu Raimundo, hoje, ligando rádio e televisão ao mesmo tempo e não prestando atenção a nenhum dos dois porque se dedica aos joguinhos eletrônicos no celular. Hoje, parece haver vários Seus Raimundos num só. O que passa a semana toda fora de casa, trabalhando para sustentar a família, o que passa o final de semana levantando da cama para ir beliscar alguma coisa na cozinha, o que ronca antes dos outros pegarem no sono, o que se preocupa com todos os filhos, que tenta resolver os problemas, que conversa mais que antes, ri mais que antes, é mais gente que antes.

E, em especial, a imagem mais forte que tenho de Seu Raimundo é a dele me abraçando no dia em que saí de casa, e, chorando, dizendo: “Se cuida, meu filho”. Eu tô tentando, PAPAI. Sempre que preciso dar um passo importante na vida, penso no quanto o senhor organizou seus passos em prol das nossas vidas. Eu tô tentando me cuidar como o senhor cuida de mim. E tentando ser um homem tão bom e honrado quanto o senhor é. Se eu conseguir metade disso, terá valido a pena.