sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Chamo-me Karol Ali Agca. Para muitos, sou Mestre Ali Agca. Mas para uma pessoa sou, simplesmente, Bigode. Essa única pessoa a quem dispenso a alcunha de mestre é o meu pupilo, um jovem de 23 anos. Eu o encontrei, na rua, jogado, quando ele contava apenas alguns meses de vida. Dei-lhe por nome Seth – ARCHANJUS SETH. Há dois anos não o vejo, não falo com ele, não tenho notícias dele. Ele me deixou.

Falar sobre Seth não é fácil. Ele é muito importante para mim. Quando o encontrei, não pensei em nada que não fosse levá-lo comigo e ensiná-lo tudo quanto pudesse. E assim o fiz.

Do seu pescoço, pendia um cordão pobre que pendurava um pingente em forma de gota, num matiz azulado, cor d’água. Duma maneira que não pretendo explicar, percebi que aquilo era algo muito precioso, mas que traria muito perigo para Seth; por isso fiz com que ele guardasse o pingente e o protegesse como se fosse sua própria vida. Desde muito pequeno, ainda, Seth o trazia sempre preso a uma tira de couro que envolvia seu tronco, à altura do peito. Ele já não me perguntava mais o porquê de precisar protegê-lo, apenas me obedecia – e rogo aos deuses todos os dias e todas as noites para que ainda esteja a me obedecer. A única coisa que ele sabe a esse respeito se resume a algumas noites em que acordou com fortes dores de cabeça, sentindo o peito queimar, por dentro e por fora, e percebia imagens de pessoas desconhecidas. Isso o vinha assombrando desde que passara dos 5 anos de idade.

Seth e eu vivíamos apenas os dois, numa velha casa, que tem sido da minha família por várias gerações – eu sou o último remanescente dos Ali Agca’s; quando eu deixar essa vida, chegará ao fim o nosso ciclo. Eu pouco deixava nossa casa, e a ilha onde ela fica, para me aventurar entre as pessoas e casas da cidade; Seth, menos que eu, ainda. Ele se dedicava muito aos meus ensinamentos e aos estudos de alquimia e magia. Ele era um garoto muito vivo e aprendia rápido. O nosso local de estudo, de magias e de alquimia, era um grande vão interno e subterrâneo na nossa casa – um local pouco iluminado e bastante silencioso. Seth costumava atribuir a isso o seu senso apuradíssimo de visão e audição.

Além da tendência nata de Seth para as magias e a alquimia, ele também demonstrava grande habilidade no manuseio de espadas de grande e pequeno porte, apesar de eu não entender de onde vinha aquela propensão ao uso de espadas; ele mesmo as fabricava.

O fato de ter deixado Seth sair de casa, por algumas vezes, me dá motivos para entristecer-me, mas também para alegrar-me. Foi numa dessas saídas à cidade que ele conheceu Maggie, uma jovem muito bonita, que o fez encantar-se. Seth sempre me dizia estar apaixonado por Maggie, mas acrescentava que nela havia algo de misterioso que nunca conseguira decifrar. Entristeço-me porque, tempos depois de tê-lo conhecido, Maggie foi embora para “Soulvillage”, e Seth não conseguiu ficar longe dela; foi à sua procura, e me deixou. Mas, admito que, em seu lugar, teria feito o mesmo, e fico feliz que Seth tenha se doado ao que seu coração o mandara fazer.

Bom, já se passaram dois anos desde que Seth me deixou, e foi em busca de Maggie. Desde esse tempo, estamos sem contato. Espero que ele ainda mantenha consigo o pingente, seu amuleto, bem guardado. Espero que esteja bem. Eu preciso que ele esteja bem, porque pretendo retomar o nosso contato, preciso vê-lo, preciso dele e sei que ele também precisa de mim.

Karol Ali Agca.
Ou, apenas para Seth,
Bigode.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O quarto onde eu durmo

O quarto onde eu durmo não tem mais você,
mas tem o seu cheiro e até o seu jeito,
que é quase perfeito, em meio ao meu peito,
me ensinando coisas que eu não sei dizer.

O quarto onde eu durmo agora é maior,
corre mais vento, entra bem mais sol,
parece varanda, tem cara de rol,
mas é só mais um quarto, e só!

O quarto onde eu durmo não tem a bagunça
que você me pedia para arrumar todo dia
e eu sempre dizia, enquanto sorria,
que só ia arrumar no "dia do nunca".

O quarto onde eu durmo ganhou em saudade
ao perder você, e sabemos por que,
não dá para esconder. Só pra você ver,
já perdi o rumo e também as verdades.

Mas, enfim, no quarto onde eu durmo,
não tem mais sua roupa, a alegria é pouca,
a canção ficou rouca, falta beijo na boca,
falta vida, falta força, falta prumo.

Mas, no quarto onde eu durmo restou ainda,
na minha cama sozinha, sua última calcinha
em meio à saudade minha de quando você vinha
com carícias, amores e sedução infinda.

O quarto onde eu durmo era nossa casa,
era nosso armário, nosso vão relicário,
nosso calendário, agora obituário,
de um amor, de uma flor e uma vida já gasta.

Ah, nesse quarto onde eu durmo, até dá pra ver
também suas cartas, suas fotos, suas marcas,
os sons de sua fala e, no canto, uma mala,
que eu nunca desfiz nem vou desfazer.

No quarto onde eu durmo não sinto mais sono,
não sinto mais fome, esqueci o meu nome,
e o meu telefone, parece, se esconde,
pra você não ligar nem me deixar tonto.

Esse quarto onde eu durmo, enfim, é sala
da vida da gente, que sumiu de repente,
da dor que se sente por ter, no presente,
que viver o passado que não se acaba.

O quarto onde eu durmo é a vida infinita
do amor que sentimos e que repartimos,
mas que destruímos com poucos arrimos.
É o amor mais intenso da vida vivida.

O quarto onde eu durmo, menina,
ficou mais sem graça, a paz é escassa,
parece até praça, onde ninguém passa,
e onde espero você às seis da matina.

Então, só te digo, que quando quiser,
seja bem vinda ao quarto onde eu durmo,
dessa vez a bagunça, se pedir eu arrumo,
mas me seja o bem maior que puder.

Porque o meu quarto, que ainda é tão seu,
não pode morrer, e nem se perder,
num fim, num abismo, num nada-querer,
já que ele foi palco do amor seu e meu.

Com a porta escorada, e a luz apagada,
entre e deite comigo, retire o castigo,
me dê o ombro-amigo, e baixinho eu só digo:
"Você voltou... Que saudade, minha amada!"

Use o player abaixo para ouvir a música que escolhi para associar ao texto.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Saudade

(texto [adaptado] de Martha Medeiros)

"Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.

Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.

Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido às aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer."

sábado, 1 de janeiro de 2011

2010: o pior ano da minha vida

É constrangedor - na falta de uma palavra melhor - estar precisamente no meio dos últimos e dos próximos 365 dias da minha vida. É, eu sei que parece uma afirmação absurda, afinal, é sempre assim. Eu sempre estou bem no meio dos últimos e dos próximos 365 dias da minha vida. Assim como sempre estou bem no meio dos últimos e dos próximos 2, 27 e 181 dias da minha vida. E há ainda mais um absurdo nessa história: como eu posso saber que ainda vou viver mais 365 dias? Não dá. Mas, o fato é que toda virada de ano traz essa carga de "e agora? faço o que?" ou "como é que vai ser daqui pra frente?". Ou, no mínimo, para-se por alguns instantes, poucos que sejam, e pensa-se um pouco sobre tudo que já foi e tudo que está por vir. Na verdade, não se pensa precisamente sobre tudo que já foi, mas apenas sobre o que aconteceu nos últimos 365 dias. E não precisamente sobre tudo que está por vir, mas apenas sobre o que virá nos próximos 365 dias. Ideia fantástica essa de dividirmos a vida em blocos de tempo. Parece que fica mais fácil. Contar; não viver.

Eu sei que duas ou três pessoas que leiam isso - ou até todos que leiam (dois ou três do mesmo jeito) - estranhem o fato de eu estar escrevendo assim, como quem se importa com essas datas emblemáticas, com essas passagens que as sociedades levam tão a cabo. Acho que eu criei o mito de que não me importo com isso, e muita gente levou a sério demais. Não é que eu não me importe com essas datas; apenas não me importo mais que com outras. Ontem, conversando com uma amiga, comentamos sobre o chafurdo que se faz em torno de momentos assim, como o Natal e o Réveillon. E, como ela é uma das que me conhecem e que também acreditaram no mito que eu criei, ela logo associou nosso comentário à minha natureza de "desprezar" essas datas. Mas aí um ponto sobre isso ficou mais claro na minha mente e eu expus para ela: o pior que acho nisso tudo não é a supervalorização que se faz de datas assim; o pior é que as outras datas, que não têm essa carga emblemática toda, são subestimadas. Parece que a vida só deve ser vivida com tanta intensidade nos aniversários, nos natais e nos réveillons a fora. Não!

Bom, mas não é exatamente sobre isso que eu quero escrever. Quero é tentar fazer, mesmo que não tão detidamente como manda o figurindo, um balanço do que foi 2010; para mim, não pro resto. 2010 foi estúpido! Este ano, que já foi tarde, foi uma contravenção, um exagero, um tumor gástrico, seja lá o que isso signifique. Não vou posar de vítima, me apegando apenas aos acontecimentos ruins para dizer que a vida não presta e que tudo, neste ano, foi um grande amontoado de merda. Mas, tampouco vou fazer parecer que atuo como bom puritano, altruísta ao extremo, e fingir que a parte ruim não me afetou sob a justificativa de que estou vivo, com saúde, que há pessoas que me amam, blá-blá-blá. 2010 teve lá seus altos e baixos, mas "nunca antes na história deste" [/Lula] que vos escreve, houve um ano com tantos baixos e, também, com tão poucos altos.

Eu não posso dizer que não sou grato por ter sobrevivido mais um ano, a maior parte dele com saúde, estar pleno das minhas faculdades mentais e físicas, estar empregado e ganhando bem melhor que a grande maioria da população brasileira. Também sou grato porque, apesar de estar longe dos meus pais, irmãos, melhor amigo e maioria dos amigos, sei que eles me amam, que gostam de mim e que posso contar com eles, caso precise, como aconteceu algumas vezes durante o ano. Não sou mal agradecido o suficiente para ignorar o fato de eu ter um teto debaixo de onde dormir, lençóis que me protegem do frio, tenho acesso à internet, curso a graduação que quero, trabalho com o que gosto. E, houve borboletas coloridas, mesmo que esmaecidas às vezes, durante quase todos os dias do ano. Enfim. Há tantas outras coisas mais pelas quais tenho que ser grato, sim, e sou. Há, inclusive, um outro grande e bom motivo para ser grato, sobre o qual só não vou comentar porque "forças maiores" preferiram assim; refiro-me ao desdobramento das tais borboletas coloridas. Mas, é fato que não é a minha consciência disso tudo que faz com eu ignore que, em 2010, muita coisa deu errado, muita coisa desandou, muita coisa desmoronou. E esta é a primeira vez, nos últimos 28 anos, que eu queria acreditar, de verdade, nessa tal magia que, na virada do ano, pode dar um jeito nas coisas e fazer com que tudo seja zerado para recomeçarmos. Eu queria. Queria mesmo!

Vou ser pragmático. Para começar, em 2010, meu joelho voltou a "travar" - se bem que, se não me engano, desde 2001 isso acontece todo ano - e isso me afastou, algumas vezes, de uma das coisas que eu mais gosto de fazer. Esse ano, o MENGÃO não ganhou nada e, ainda pior que isso, foi motivo de piada quase o tempo todo. E o ruim não é a piada em si; é o fato de ter merecido ser piada. Conseguimos perder, em um mesmo ano, duas partidas pro subalterno Botafogo e vê-los campeões do Carioca de forma antecipada. Cambaleamos na Libertadores e caímos fora da competição antes do planejado. Penamos no Brasileirão, bringando contra o rebaixamento, do qual só escapamos na penúltima rodada. E, como se não bastasse, meu saldo nas apostas que todo ano faço no RUBRO-NEGRO foi, pela primeira vez, negativo. Sei que esse motivo para condenar 2010 vai parecer fútil para muita gente, mas 35 milhões de outras pessoas me entendem (sorriso).

Ainda nesse ano que já foi, minha turma e eu, no curso de Jornalismo, passamos por alguns perrengues com um professor que consegue ser pior que 2010, encaramos os desamandos dele e, como a Universidade também é uma selva onde só os mais fortes sobrevivem, estamos perdendo a guerra instaurada e, ao fim do semestre, meu histórico escolar mostra, em duas disciplinas, a para mim inédita palavra "reprovado". Não que as reprovações sejam a parte pior dessa história. Ruim é que vieram de forma injusta.

Mas, o pior de tudo no ano é justamente sobre o que não vou falar. É, as tais "forças superiores" me impedem. Mas, posso dizer que é um mal estar que se arrasta desde o final de 2009 e que entrou nessas primeiras horas de 2011. Por causa desse mal, sofri e fiz sofrer, fui machucado e machuquei. É o tal mal de amor. Começa por eu não ter sabido onde guardar tantos problemas mal resolvidos ou não resolvidos. Aí, acabei tropeçando em tanta coisa ruim que fui deixando pelo caminho. E o problema maior é que o lado "oposto", quando você machuca, doi mais do quando é machucado.

Em 2010, ouvi mentiras nas quais acreditei e menti verdades descabidas. Eu acabei por me perder de mim mesmo, o que é pior do que se perder pro outro. E as consequências disso são terríveis. Nos últimos meses, me senti traído e percebi que eu não sabia, ainda, nada sobre o que se sente nessas horas. Mas, foi bom perceber que, apesar de ainda sofrer danos grotescos com isso, sigo em frente, e, apesar dos pesares, sinto que amar é maior que sofrer. Deste ano, ficarão sons latejando em meus ouvidos - que eu não queria mais ouvir. Ficarão olhos tristes, e ao mesmo tempo impiedosos, me fitando como quem apunhala e pede desculpas, como quem pede amor e ama.

Ao fim disto que escrevo - porque, repentinamente, me deu vontade de encerrar isso - digo que concordo que parece meio insano que um cara que, apenas este ano, manteve um emprego e conseguiu outro na área em que sempre sonhou trabalhar, esteja se reclamando que um romance não anda bem das pernas (se é que ainda anda). Mas, algo me faz ter a certeza de que se vocês passarem pela vida sem amar, aí mesmo é que nunca vão me entender.

De tudo, ao fim e ao cabo deste medíocre 2010, deixa-se ficar uma certeza: seja como for, é bom que ainda faça sentido que um "S" vermelho borboleteie movimentos em minha mochila preta, enquanto eu caminho pelas ruas e calçadas desta cidade; ou de qualquer outra que seja.

Não vou esquecer 2010. Nem quero. Antes disso, prefiro mantê-lo numa gaveta acessível para que eu possa, sempre que achar necessário, remoer algumas coisinhas ainda, e reler os aprendizados que ele trouxe e os que ainda hão de vir por conta dele.

Feliz ano bom para todos! 2011 há de ser melhor...