quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sobre suor, chuva, e água com sal





"Será que existe alguém, ou algum motivo importante, que justifique a vida ou, pelo menos, este instante?"

(Leoni)


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É estranho! Eu sempre tive um fascínio por líquidos. Para beber ou só olhar. Para me molhar ou molhar os outros. Gosto muito de água - o líquido perfeito. Desde que aprendi, no ensino fundamental, que a água é um líquido inodoro, incolor e insípido, fico imaginando quem teria sido o primeiro idiota a dizer essa asneira. Grande lorota essa. Incolor e inodora tudo bem. Mas insípida? A água é um dos líquidos mais gostosos que existem. E, mais do que para saciar minha sede, a água serve para me aliviar. É muito comum eu entrar no banheiro e, simplesmente, jorrar água na minha cabeça, molhar o cabelo, e sair encharcado do pescoço para cima. É uma espécie de atenuante para algumas de minhas tensões.
.....É, a água merecia um parágrafo a parte. Mas, gosto de tantos outros líquidos: refrigerantes e sucos, pelo sabor; gasolina, pela textura; tintas, pelas cores e consistências. Fico pensando o quanto gosto de chuva, de ficar numa piscina - só jogado -, de banho de mar, de matar a sede com alguma bebida gelada... Enfim. Acho que a parte líquida da vida é bem interessante. (A propósito, ainda preciso ler meu livro "Amor líquido").
.....Bom, mas a postagem de hoje vai ser apenas sobre três líquidos em específico, e sobre o desconforto que ainda alfineta meu coração, me desnorteia, e une, quase todas as noites, as quatro paredes do meu quarto sobre mim.
.....Hoje é quinta-feira. Quinta-feira santa para mim. Dia de futebol com uma turma que nem conheço direito, ainda, num campinho society, com grama sintética. Quinta-feira santa porque é nesse dia que entro em campo e pareço estar num outro mundo, paralelo ao da minha realidade, revestido de uma couraça que não me deixa sentir dores, a não ser as físicas, por entradas duras, por trombadas de jogo. Sim, porque a couraça protege as costas e o peito. E é no peito que fica o incômodo mais perturbador. A quinta-feira tem sido o dia marcado para me refugiar das mazelas do meu cotidiano. E a noite de hoje prometia. Por dois motivos. Primeiro, porque eu me vesti de palhaço pela manhã, na faculdade, e fui feliz com risos, gritos e cantos. Não que eu tenha sido um palhaço, no sentido pejorativo do termo. Na verdade, foi como se eu tivesse me travestido e, assim, pude interpretar um personagem que era feliz. Então, sorri, gritei e cantei. E funcionou. Estive imune às dores por uns instantes. O outro motivo de a noite prometer era que eu estava com uma vontade enorme de jogar; e jogar bem. E, quando ela me pede um gol... Bom, é a partir daqui que entram os três líquidos.
.....Participar de uma partida de futebol - ou de várias - me alivia as tensões pelo que já disse (trocar as dores emocionais pelas físicas, cansaço muscular, enfim). E eu canso muito. Vou ao limite, se tiver tempo. E, de novo, ela me pediu um gol, e, quando eu fiz o segundo dos quatro da noite (sim, todos para ela; ela gosta), meu corpo já estava embebido em suor. Foi o primeiro líquido da noite. No racha das quintas-feiras santas, quatro gols, e muito suor - perfeito para "fingir" que não estou totalmente confuso e fraco. Mas, dessa vez, não funcionou. A quinta-feira não foi tão santa assim. No meio do jogo, mesmo em meio aos gritos de "toca essa bola", "chuta no gol", "marca o cara", e dos palavrões de praxe, eu me sentia, de novo, como se todos os meus órgãos fossem pressionados uns contra os outros. Não tem sido apenas um desconforto na boca do estômago. Tem sido uma famigerada profusão de desconfortos dentro de mim. São frios que passam pelo estômago, nós que se formam na garganta, músculos que tremem, olhar que abaixa e se perde. Então, cansar o corpo não estava funcionando. Eu parava, vez ou outra, no meio do campo, e, como vem acontecendo onde quer que eu esteja, me perguntava por que estava ali, o que estava fazendo, o que eu quero. E não respondia nada. Não respondo nada. Éramos, então, nesses instantes, eu, o suor, e as dores.
.....Acho que eu já tinha feito quatro gols, perdido tantos outros, sofrido algumas faltas, feito uma ou outra... quando choveu! O jogo estava parado. Ouvi um barulho familar por perto. Era a chuva chegando. O segundo líquido que vinha molhar meu corpo - cansado, mas não aliviado. E então, como se fosse uma bênção que me quisesse mostrar que os céus estão do meu lado, e antes que a bola voltasse a campo, a chuva caiu e se misturou ao meu suor. "Que a chuva caia como uma luva, um dilúvio, um delírio. Que a chuva traga alívio imediato" (EH). É assim, que, normalmente, a chuva me serve. Ela cai perfeitamente em mim, me veste, me alivia. Mas, não foi assim hoje. Não serviu. Não funcionou. Tudo ainda doía - mais por dentro que por fora. Os pingos caíam e faziam "tssssss" ao me tocarem. Quando eu podia, mirava o rosto para cima, tentava manter os olhos abertos, abria os braços, e pedia, silenciosamente, mais chuva. E chovia mais. Mas, não adiantava. Estava doendo muito. Quase insuportavelmente. E eu preciso segurar a onda.
.....Então, hoje, pareceu que o suor não seria suficiente para esconder o terceiro líquido da noite. Aí, veio a chuva e pareceu mais simples esconder o "sumo dos olhos". Porque o nó na garganta ficou grande demais e eu não conseguia desatá-lo. E isso nunca tinha acontecido. Não se chora no meio de um jogo de futebol, se não se machucar, se não for campeão, se não perder um título. Isso não acontece. Não comigo. Nunca tinha acontecido. Eu não sou assim. Se bem que nem me reconheço mais. O cara que tenho visto no espelho parece, sim, muito comigo, mas não sou eu. Não mais. E tem doído muito. Tem sido muito difícil ser ou parecer forte. Eu não estou bem por causa desse desconforto insistente. E foi ele que fez a mistura dos três líquidos: primeiro o suor; depois a chuva; e, por fim... bom, era só água com sal.

3 comentários:

Anônimo disse...

Adoro ler seus escritos, desde muito tempo ou talvez não tão muito assim, eles me fazem bem... É quase sempre como uma prece, um canto gregoriano um som bom, mas nem sempre compreensível, mas me serve. Aprendi através de "lê-lo" ( sempre li vc para tentar entender o que vc quer dizer ou aquilo que tenta dizer... não sei bem se sou eu que tento entender ou vc que tenta dizer... ficou confuso ...sorriso) a dar valor a algumas coisa, a olhar com outros olhos o sol, a Lua, caminhar pelo caminho olhando e vendo o q ao meu redor me servia de enquadramento, de certezas, de encantamento, a andar na chuva a entender que ela é uma benção que cai sobre nós. Que a vida não seria vivida ou bem vivida se não tivesse os três líquidos preciosos que compõe um ser “ emanado de sonhos”: Chuva, suor, e lágrimas.E não se importe com o espelho nem sempre ele diz a verdade, é um instrumento de distorção usado pela física ( da onde eu tirei isso ... o que que a gente não faz para ajudar um amigo). Gosto muito de gostar de vc.

Escape da rotina disse...

tem selinho p vc no meu blog!^^

xero

Karol Vieira disse...

"Enquanto a chuva molha meu rosto, ela esconde a minha lágrima que insiste em encontrar o chão..." (Rosa de Saron)