terça-feira, 17 de abril de 2012

Não importa quando...

Sentaram-se, então, os dois, no chão, um apoiado no outro pelas costas. Não que quisessem se ignorar mutuamente. Antes disso, queriam sentir-se um ao outro, mas sem dar muito na vista. Assim, sentados como estavam, podiam sentir seus movimentos, podiam, inclusive, programar algum movimento e, de forma intencional, fazer o outro perceber que determinada inspirada de ar mais profunda ou um inclinar de cabeça mais para trás, foi única e exclusivamente a tradução de "Ei, estou aqui, e é bom sentir que você está também". Ele estava de frente para o campo de futebol, mas, honestamente, mal prestava atenção nas jogadas. Ela estava voltada para mais dois amigos e para a filhinha da vizinha, uma menininha adorável de quem ela cuidava naquele dia. A certa altura, ele girou o pescoço o máximo que pôde, afinal, só assim conseguiria, além de senti-la com as costas, vê-la. Depois de algum tempo, de alguns giros de pescoço para os dois lados, ele fez o giro para a direita e, segundos depois, ela também girou o pescoço; para a esquerda. Não podiam se encarar por motivos óbvios, mas se viram. Se olharam. Sorriram com os cantos das bocas e os cantos dos olhos, já que só de canto de olho podiam mesmo se olhar. Murmuraram alguns gracejos como quem diz que aquilo é bom e que estavam com saudades. Ela disse uma piadinha que ele não entendeu de imediato: "Você costuma aparecer por esses lados?". Ela riu ao percebê-lo sem entender e não quis mais repetir. Ele voltou o pescoço para o outro lado, o esquerdo. E ela correu em acompanhá-lo, girando o pescoço para o lado direito. Quando ela o alcançou, ele já a esperava com outro sorriso, agora mais farto, e disparou, cantarolando aos assobios: "Aonde quer que eu vá, levo você no olhar". Foi hora de os dois sorrirem soltamente, quase gargalharem. Isso deu liberdade a mãos e braços. Ele jogou a cabeça para trás, deitou a nuca no ombro direito dela, que fez o mesmo, reconfortando-se no ombro direito dele, passando os dois a mirarem o céu, as estrelas. Não pareciam mais haver o jogo de futebol, nem mais os amigos e a menininha adorável. Agora eram só os dois, o céu, as estrelas e a mão direita dele a percorrer a face esquerda dela, a orelha esquerda, o lado esquerdo da nuca e parte dos cabelos. Já a mão direita dela retribuía com um movimento parecido, mas que se detinha quase exclusivamente a roçar o canto esquerdo da boca dele. Na verdade, o canto esquerdo do sorriso dele, que se desfez quando ele a ouviu dizer "Eu achei que nunca mais ia me apaixonar...". Ele engoliu em seco, franziu a testa. Esse era um ponto sério das conversas que sabiam que teriam a qualquer momento. E ele já desfazia os carinhos para se virar e olhá-la de frente, mas parou quando ela completou: "Achei que nunca mais ia me apaixonar por você, mas aconteceu". Os dois ficaram congelados por alguns instantes, marcando segundos a segundos pelas respirações que se completavam. Então ele terminou o movimento de girar o corpo e encará-la. Estavam agora, um de frente para o outro. Depois de oito anos, se viam um nos olhos do outro.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Amor, despedida, saudades e números...

As datas marcavam o que não havia mais para esperar. "9.dez" estava destacado em vermelho no calendário que eu tinha posto na cabeceira da cama. Os dias 29 e 30 estavam riscados na sua agenda. Eu no canto sul da minha cidade, do meu estado. Você a quilômetros e saudades de distância. "9.dez". Dias 29 e 30. Eram os últimos segundos do dia 9 de dezembro. O relógio estava acelerado e você tinha que ir embora, mas ainda esperava que eu aparecesse. Seu avião às 9h10. O ponteiro girando: 29, 30 segundos antes da decolagem. E eu não cheguei. O carro pifava a 30, 29km/h. O dia 9, então, ficou para trás. E chegou o final do ano. Os dias 29 e 30 seriam os mais terríveis. Tudo porque 9 ou 10 cartas estavam engavetadas na sua casa. E 29 ou 30 dias podiam se transformar em 29 ou 30 anos.