Eu teria acordado muito ansioso neste 29 de outubro de 2011. Teria, se tivesse dormido. Mas, como eu dormiria, sendo este sábado um dos dias mais importantes da minha vida? Não seria possível. A tônica para o início deste dia seria tê-lo grudado à sexta-feira, que já se foi, sem sequer piscar os olhos. Não exatamente por falta de sono, mas por ansiedade.
Mas, a ansiedade não seria minha única companhia no início e no decorrer deste sábado. Eu estaria nervoso. E eu veria as primeiras horas do dia surgirem - ainda em meio à escuridão da madrugada que tranforma sextas em sábados - e me perguntaria com que velocidade elas passariam. E quanto tempo eu ainda teria que esperar até as 10 horas da noite. Sim, porque, se este 29 de outubro seria um dos dias mais importantes entre todos, 10 horas da noite seria o momento. Assim, simples. Só com um artigo definido se antepondo ao substantivo. Porque tudo haveria de ser simples.
Então, é isso. Eu haveria de ver o dia 29 de outubro de 2011 chegar, ansioso e nervoso para que o tempo me levasse logo até as 10 da noite. Mas, até lá, eu ainda precisaria ordenar muitas coisas e conferir tantas outras. Antes que o sol nascesse, por exemplo, eu ainda terminaria de escrever o poema - desta vez, sim, um poema - que seria o texto mais profundo já escrito por mim. Não teria mais que uma lauda, escrita de próprio punho, caneta preta, assinada ao final com o eterno e irrepreensível "ED...".
Provavelmente, eu o terminaria já com os primeiros raios de sol entrando pela janela e me apontando rumos a seguir ainda antes do momento. E, com certeza, até que eu dobrasse cirurgicamente o papel e o guardasse no melhor envelope que havia encontrado semanas antes, eu já teria rememorado várias coisas. Uma delas, 12 anos antes, também num 29 de outubro, quando assobiei "não se admire se um dia um beija-flor invadir a porta da sua casa, lhe der um beijo e partir...".
Eu já teria lembrado, também, dos fatos que sucederam esses assobios. Um beijo, depois mais outro. E uma sequência de história que chegaria a este 29 de outubro de 2011. Às 10 horas da noite. Eu lembraria da lapiseira emprestada e esquecida intencionalmente para gerar novos encontros. Das cartinhas escritas e entregues com todo o zelo do mundo. Lembraria de um "Eu também", que, sozinho, era o mais romântico "Eu te amo!" que podia haver neste mundo. Lembraria de um show de Kid Abelha em um 4 de dezembro antigo. De uma calça azul que eu adorava no corpo dela. De como eu passei a gostar do calo que ela tinha no dedo, de como ela sempre me pedia para cortar o cabelo, de como eu queria que ela não mexesse no dela.
Enfim. Uma sucessão de lembranças me viria à mente. Aquela faixa que estendi para ela na escola. As camisas que ela personalizou para mim. A camisa que eu personalizei com o nome dela e o número 29 às costas. E, de forma especial, a mania dela de me chamar monossilabicamente de Du, esperar minha resposta, me chamar de novo para mais uma resposta, repetir isso mais uma vez, para, no final, dizer: te amo! E ouvir o meu "eu também!".
Mas, aí já seria praticamente meio dia. E eu precisaria conversar com o maestro. Ele já teria, provavelmente, me garantindo mais de uma centena de vezes que a música "O vento" estava ensaiadíssima e que os músicos já sabiam de cor o momento de aparecer entre os convidados, um a um, para surpreendê-la. Ah, e o principal: ela não desconfiava de nada.
Eu também teria que passar por minha última e definitiva aula de dança. Sim, porque eu quereria surpreendê-la também com uma dança, já que sempre a privei de dançar comigo por pura incompatibilidade entre mim, minhas pernas e qualquer ritmo musical. Acho que ela iria gostar muito de se sentir conduzida por mim numa dança, por isso eu teria preparado isso para ela.
E aí, depois de (re)conferido esses detalhes, eu haveria de ir me vestir, bem a rigor, bem polidamente, exatamente da maneira como eu não gostava muito, mas como ela preferia. E, de certa forma, ao longo dos anos até aqui, foi ela que me ensinou a "detestar" menos esse jeito de me vestir. Talvez por ela eu tivesse reconstruído minha forma de pensar a esse respeito.
Bom, mas aí, como seria de se esperar, o dia passaria voando, mesmo, e eu me perceberia já às portas das 10 horas da noite. Antes de sair de casa, ainda tomaria as bênçãos dos meus pais, compartilharia uns abraços com meus irmãos e sairia com meu melhor amigo, que ainda me zoaria algumas besteiras aos ouvidos, como quem diz, em outras palavras: "Parabéns, cara! Você conseguiu!".
Às 9 e meia da noite, lá estaria eu, em frente à igreja, já completamente tomada de rostos conhecidos, sorrisos fartos, amizades longas. Eu entraria pela entrada principal como quem não acredita que, enfim, havia chegado a hora. Iria caminhando, sozinho, entre as pessoas, e fingiria que ainda dava uma última conferida nos detalhes, mas, na verdade, não conseguiria mais assimilar muita coisa. Meu coração só conseguiria pulsar regressivamente, como quem me prepara e se prepara para a hora, que seria dali a pouco.
Até que, pontualmente às 10 horas, ela haveria de aparecer na entrada. A pontualidade teria sido algo combinado entre a gente para que a eternidade que eu sei que existiria até ela chegar não parecesse tão mais longa do que, de fato, seria. O pai dela estaria meio engasgado, meio emocionado, meio vermelho demais pela sensação de estar perdendo a filha. Mas, ele confessaria, quando me estendesse o braço dela, que confiava em mim. Quem diria?
Ela estaria linda! Deslumbrante seria a palavra certa. Tão linda como se estivesse usando uma camiseta branca e a calça azul de que eu tanto gostava. Apesar do vestido longo e branco, do véu, dos enfeites no cabelo - adereços aos quais não sou muito afeito -, ela estaria linda! Deslumbrante de verdade.
E eu ousaria desvirtuar meus olhos dos dela só para constatar que meus pais, os dela, os amigos que construímos juntos e os que compartilhamos, todo mundo, ali, seria testemunha ocular do que estaria acontecendo. E nós haveríamos de ouvir algumas palavras religiosas antes de proferirmos um ao outro o "sim" mais sonoro e definitivo que nossos ouvidos poderiam captar. Aí, eu a olharia profundamente, mais uma vez, como se fosse a última, e tocaria seus lábios tão detida e intensamente, que seria quase como se voltássemos ao mesmo local de 12 anos antes, na escola, quando assobiei uma canção qualquer, quase perdida no tempo, e nossos lábios se uniram pela primeira vez.
Em seguida, viriam "O vento" a violinos e sax, as homenagens, os gritos, a algazarra, a festa, a alegria, a sensação, quase, de dever cumprido.
Haveria de ter sido neste 29 de outubro de 2011, porque queríamos um sábado e, quando planejamos, a partir de então, este seria o primeiro 29 de outubro num sábado. E, coincidentemente, eu estaria com 29 anos.
Haveria de ter sido o momento áureo das nossas histórias. Haveria de ter feito nossos corações quase saírem pela boca, assim, impulsivamente, exatamente como eu fiz ao pular do piso superior da escola quando um amigo me disse que ela estava no térreo, aparentemente chorando. Haveria de ter sido... mas não foi! Porque a vida prega peças. Porque a vida é quem dita as regras.
Mas, a ansiedade não seria minha única companhia no início e no decorrer deste sábado. Eu estaria nervoso. E eu veria as primeiras horas do dia surgirem - ainda em meio à escuridão da madrugada que tranforma sextas em sábados - e me perguntaria com que velocidade elas passariam. E quanto tempo eu ainda teria que esperar até as 10 horas da noite. Sim, porque, se este 29 de outubro seria um dos dias mais importantes entre todos, 10 horas da noite seria o momento. Assim, simples. Só com um artigo definido se antepondo ao substantivo. Porque tudo haveria de ser simples.
Então, é isso. Eu haveria de ver o dia 29 de outubro de 2011 chegar, ansioso e nervoso para que o tempo me levasse logo até as 10 da noite. Mas, até lá, eu ainda precisaria ordenar muitas coisas e conferir tantas outras. Antes que o sol nascesse, por exemplo, eu ainda terminaria de escrever o poema - desta vez, sim, um poema - que seria o texto mais profundo já escrito por mim. Não teria mais que uma lauda, escrita de próprio punho, caneta preta, assinada ao final com o eterno e irrepreensível "ED...".
Provavelmente, eu o terminaria já com os primeiros raios de sol entrando pela janela e me apontando rumos a seguir ainda antes do momento. E, com certeza, até que eu dobrasse cirurgicamente o papel e o guardasse no melhor envelope que havia encontrado semanas antes, eu já teria rememorado várias coisas. Uma delas, 12 anos antes, também num 29 de outubro, quando assobiei "não se admire se um dia um beija-flor invadir a porta da sua casa, lhe der um beijo e partir...".
Eu já teria lembrado, também, dos fatos que sucederam esses assobios. Um beijo, depois mais outro. E uma sequência de história que chegaria a este 29 de outubro de 2011. Às 10 horas da noite. Eu lembraria da lapiseira emprestada e esquecida intencionalmente para gerar novos encontros. Das cartinhas escritas e entregues com todo o zelo do mundo. Lembraria de um "Eu também", que, sozinho, era o mais romântico "Eu te amo!" que podia haver neste mundo. Lembraria de um show de Kid Abelha em um 4 de dezembro antigo. De uma calça azul que eu adorava no corpo dela. De como eu passei a gostar do calo que ela tinha no dedo, de como ela sempre me pedia para cortar o cabelo, de como eu queria que ela não mexesse no dela.
Enfim. Uma sucessão de lembranças me viria à mente. Aquela faixa que estendi para ela na escola. As camisas que ela personalizou para mim. A camisa que eu personalizei com o nome dela e o número 29 às costas. E, de forma especial, a mania dela de me chamar monossilabicamente de Du, esperar minha resposta, me chamar de novo para mais uma resposta, repetir isso mais uma vez, para, no final, dizer: te amo! E ouvir o meu "eu também!".
Mas, aí já seria praticamente meio dia. E eu precisaria conversar com o maestro. Ele já teria, provavelmente, me garantindo mais de uma centena de vezes que a música "O vento" estava ensaiadíssima e que os músicos já sabiam de cor o momento de aparecer entre os convidados, um a um, para surpreendê-la. Ah, e o principal: ela não desconfiava de nada.
Eu também teria que passar por minha última e definitiva aula de dança. Sim, porque eu quereria surpreendê-la também com uma dança, já que sempre a privei de dançar comigo por pura incompatibilidade entre mim, minhas pernas e qualquer ritmo musical. Acho que ela iria gostar muito de se sentir conduzida por mim numa dança, por isso eu teria preparado isso para ela.
E aí, depois de (re)conferido esses detalhes, eu haveria de ir me vestir, bem a rigor, bem polidamente, exatamente da maneira como eu não gostava muito, mas como ela preferia. E, de certa forma, ao longo dos anos até aqui, foi ela que me ensinou a "detestar" menos esse jeito de me vestir. Talvez por ela eu tivesse reconstruído minha forma de pensar a esse respeito.
Bom, mas aí, como seria de se esperar, o dia passaria voando, mesmo, e eu me perceberia já às portas das 10 horas da noite. Antes de sair de casa, ainda tomaria as bênçãos dos meus pais, compartilharia uns abraços com meus irmãos e sairia com meu melhor amigo, que ainda me zoaria algumas besteiras aos ouvidos, como quem diz, em outras palavras: "Parabéns, cara! Você conseguiu!".
Às 9 e meia da noite, lá estaria eu, em frente à igreja, já completamente tomada de rostos conhecidos, sorrisos fartos, amizades longas. Eu entraria pela entrada principal como quem não acredita que, enfim, havia chegado a hora. Iria caminhando, sozinho, entre as pessoas, e fingiria que ainda dava uma última conferida nos detalhes, mas, na verdade, não conseguiria mais assimilar muita coisa. Meu coração só conseguiria pulsar regressivamente, como quem me prepara e se prepara para a hora, que seria dali a pouco.
Até que, pontualmente às 10 horas, ela haveria de aparecer na entrada. A pontualidade teria sido algo combinado entre a gente para que a eternidade que eu sei que existiria até ela chegar não parecesse tão mais longa do que, de fato, seria. O pai dela estaria meio engasgado, meio emocionado, meio vermelho demais pela sensação de estar perdendo a filha. Mas, ele confessaria, quando me estendesse o braço dela, que confiava em mim. Quem diria?
Ela estaria linda! Deslumbrante seria a palavra certa. Tão linda como se estivesse usando uma camiseta branca e a calça azul de que eu tanto gostava. Apesar do vestido longo e branco, do véu, dos enfeites no cabelo - adereços aos quais não sou muito afeito -, ela estaria linda! Deslumbrante de verdade.
E eu ousaria desvirtuar meus olhos dos dela só para constatar que meus pais, os dela, os amigos que construímos juntos e os que compartilhamos, todo mundo, ali, seria testemunha ocular do que estaria acontecendo. E nós haveríamos de ouvir algumas palavras religiosas antes de proferirmos um ao outro o "sim" mais sonoro e definitivo que nossos ouvidos poderiam captar. Aí, eu a olharia profundamente, mais uma vez, como se fosse a última, e tocaria seus lábios tão detida e intensamente, que seria quase como se voltássemos ao mesmo local de 12 anos antes, na escola, quando assobiei uma canção qualquer, quase perdida no tempo, e nossos lábios se uniram pela primeira vez.
Em seguida, viriam "O vento" a violinos e sax, as homenagens, os gritos, a algazarra, a festa, a alegria, a sensação, quase, de dever cumprido.
Haveria de ter sido neste 29 de outubro de 2011, porque queríamos um sábado e, quando planejamos, a partir de então, este seria o primeiro 29 de outubro num sábado. E, coincidentemente, eu estaria com 29 anos.
Haveria de ter sido o momento áureo das nossas histórias. Haveria de ter feito nossos corações quase saírem pela boca, assim, impulsivamente, exatamente como eu fiz ao pular do piso superior da escola quando um amigo me disse que ela estava no térreo, aparentemente chorando. Haveria de ter sido... mas não foi! Porque a vida prega peças. Porque a vida é quem dita as regras.